Em defesa dos “paraíbas”
1
Meu nobre leitor amigo
Peço vossa atenção
Neste contexto absurdo
Em que se encontra a nação
Pro festival de horrores
Entre ódios e rancores
Já supera a ficção
2
Que a coisa não tá boa
Já não é lá novidade
Que vivemos uma era
Que reclama sanidade
Do festival de doidices
Teve uma idiotice
Grande ato de maldade
3
Quando o senhor presidente
De maneira desleal
Reduziu a “Paraíbas”
O nordestino plural
De forma pejorativa
Atitude agressiva
Que lhe é habitual
4
É a prática do sudeste
Humilhar o nordestino
De “baiano” ou “paraíba”
Pau-de-arara, é sem tino
Se acham superiores
Egoístas agressores
Na ética são libertinos
5
Lá no Rio de Janeiro
É muito comum usar
O nome de “Paraíba”
Pro nordestino apontar
De forma pejorativa
É postura ofensiva
Pra ridicularizar
6
Em São Paulo é notado
O mesmo comportamento
Para o povo nordestino
Em forma de xingamento
Falam em tom de piada:
“Baiano” faz “baianada”
Para todos um tormento
7
O Nordeste meu amigo
Vou te contar uma história
Sendo o berço do Brasil
Tem cultura e memória
Precisa ser respeitado
Pois esse povo arretado
Não dá mão à palmatória
8
Paraíba é um Estado
De importância e valor
Sendo parte do país
Não precisa fiador:
O paraibano é forte
Do brasileiro um recorte
Não falta admirador
9
Sua bandeira incomum
Tem o recado direto:
Négo, do verbo negar
É o Estado insurreto
Ao se opor ao poder
Sem represália temer
De um governo abjeto
10
Terra de Augusto dos Anjos
Poeta paraibano
Cuja poesia afrontava
O rigor parnasiano:
Queria nova nação
Nova civilização
Sem elitismo tirano
11
É também da Paraíba
Outro ímpar nordestino
Ariano Suassuna
Da cultura paladino
É figura imortal
Sua arte genial
O tornou quase “divino”
12
O grande Bráulio Tavares
Escreveu o manifesto
Do “nordeste independente”
Com um sentimento honesto
“O brasil ser dividido”
A pensar nisso convido
É algo que não contesto!
13
Ivanildo Vila-nova
Foi parceiro na escrita
Repentista de valor
Nessa divisão milita:
Já que não respeita a gente
O “nordeste independente”
Novo país delimita.
14
O nordeste tem história
Tem passado e tem presente
Na construção do Brasil
Na luta não foi ausente
Da Bahia ao Maranhão
Na história da nação
O Nordeste é valente
15
O restante do Brasil
Sempre discriminatório
Na fala do presidente
O preconceito notório:
Desconhece a nação
E sem nenhuma noção
Não controla o falatório
16
O nordeste é responsável
Pela nossa independência
Aqui foi travada a luta
Aqui foi a resistência:
A história nos engana
A batalha do Ipiranga
Simulada indecência
17
Batalha do Pirajá
Na cidade da Bahia
Batalha do Jenipapo
No Piauí reunia
Maranhão e Ceará
Para o Brasil libertar
O futuro decidia
18
Revolta pernambucana
Contra o desmando real
Teve a Guerra dos mascates
Tendo papel crucial
Confederação D’Equador:
São revoltas de valor
Pra nação continental
19
A Revolta dos tenentes
Em Sergipe, bom lembrar
O Quilombo dos Palmares
É preciso estudar
Os Malês, a Balaiada
Os Búzios, a Sabinada
Conhecer pra respeitar
20
Teve a Guerra de Canudos
Um massacre de inocentes
No Brasil sempre esteve
Contra nossa pobre gente
No nordeste esquecido
Humilhado e ofendido
Nada novo, presidente!
21
Talvez seja por inveja
Ou talvez ressentimento
Por causa dessa cultura
E desse imenso talento
De Gonzaga a Jorge Amado
O nordeste tem causado
Um verdadeiro tormento
22
Glauber Rocha no cinema
Revolucionou, destarte
Sem falar em João Gilberto
Bossa Nova, Baluarte
Da Bahia a Tropicália
Não há nada que equivalha
Aqui nasceu toda arte
23
Aqui nasceu o Samba
Nos terreiros da Bahia
Mesmo levado pro Rio
Não perdeu a primazia
O forró nossa riqueza
O Cordel a realeza
Arte, cultura e magia
24
E Graciliano Ramos
Do cárcere fez a memória
João Cabral de Melo Neto
Toda honra meritória
Do nordeste a tradução
A alma dessa nação
Literatura é história
25
O nordestino incomoda
Na música e no humor
Na fala e na alegria
Na valentia e vigor
O que seria o sudeste
Sem esse "cabra da peste"
Com seu braço construtor
26
Chico Anísio no humor
Riu dessa sociedade
Ridendo castigat mores
Com muita propriedade
Não se deixou abater
Sua arte um dever
Com a maior serenidade
27
O Brasil nasceu aqui
Quando europeu invadiu
E foi do nosso nordeste
Que essa nação surgiu
Com índio e africano
O nordeste foi o pano
Onde nasceu o Brasil
28
O brasileiro real
Descendente da mistura
Índios, brancos e negros
Num caldeirão de cultura
Assim nasce o sertanejo
E pra entender pelejo
Esse ódio, essa agrura
29
Nosso povo acolhedor
Região hospitaleira
Povo festivo e feliz
É a alma brasileira
Terra de calor humano
De Ariano a Caetano
Respeito é nossa bandeira
30
Todo esse azedume
É inveja é despeita
Enquanto a vida segue
Nossa cultura é eleita
Patrimônio nacional
Se pra alguns anormal
O mundo inteiro respeita
31
Eu tenho comigo a fé
De Antônio Conselheiro
O sangue de Lampião
O temido cangaceiro
Não venha com leotria
Que comigo não se cria
Seu preconceito grosseiro
32
Do povo de conselheiro
Tenho a garra sertaneja
Que lutou até morte
Naquela cruel peleja
Tenho orgulho dessa terra
Mesmo na paz ou na guerra
Aqui ninguém pestaneja
33
Vou ficando por aqui
Pra não ficar cansativo
Poderia dizer mais
Mas soaria agressivo:
Este recado foi dado
Nosso povo tá irado
Com esse tom pejorativo
34
Se você é nordestino
Sertanejo arretado
Paraíba ou Baiano
Não pode aceitar calado
Quando generalizar
Querendo nos humilhar
Com preconceito abusado
34
Com a cabeça erguida
Dessa nossa identidade
Com orgulho dessa terra
Enfrentemos a maldade
Dizendo pra toda gente
Que o nordestino é ciente
Da sua dignidade
35
Se o tal do presidente
E o povo do sudeste
Com toda maledicência
Repudia o nordeste
De esperar já não se cansa
Pra enfrentar a cobrança
De cada cabra da peste
36
À miséria, ao abandono
À exploração, à fome
Sem primavera ou outono
Só precisa de respeito
E não desse preconceito
É a rima que entono
37
O nordeste aqui diz NÃO
Ao seu preconceito vil
Contra toda essa loucura
Esse comportamento hostil
Só revela a canalhice
Ignorância e burrice
E só divide o Brasil.
Inamar Coelho, 06/08/2019. Texto em cordel incentivado
pela colega Luciana Macêdo para Atividade no E.O.B..